O inferno dos espírtas

Imagem @ Camalied

 

Aviso: a imagem acima é só uma tentativa de inserir um apontamento de humor num tema sério, no entanto se visitar o Equador fica desde já a saber que em caso de necessidade existe por lá um paracetamol com essa designação e terá a oportunidade de ingerir Umbral em comprimidos! 😆

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No inicio do livro Nosso Lar, o espírito André Luiz descreve o que se seguiu à sua desencarnação, ou seja, o que viveu após a morte do corpo físico.

Explica ele que ao despertar no mundo espiritual entrou numa grande espiral de sofrimento, não percebia o que estava a acontecer (nem sequer tinha noção de que tinha morrido, até porque se sentia vivo), descreve um ambiente desconcertante, aflitivo e de um sofrimento enorme.

Andou em desespero extremo durante 8 anos até se ter entregue à oração genuína e ser resgatado.

Umbral foi o nome que forneceu desse local onde muitos espíritos se encontravam em igual sofrimento, mas numa nota digna de registo, realço o facto de quando ele decide questionar o porquê de o deixarem entregue à sua sorte e só procederem a um resgate tanto tempo depois, ter recebido como resposta a indicação de ter sido visitado imensas vezes no intuito de o resgatar, mas ele não os conseguia percepcionar, só tendo sido possível após ele ter modificado a sua vibração através da oração sentida.

Este facto é de muito interesse, pois apresenta os locais de sofrimento como fruto do estado vibracional / mental do indivíduo e não como um castigo imposto por algo ou alguém externo.

Por outras palavras, se foi o estado íntimo do espírito a origem de não ter sido resgatado mais cedo, quererá isso dizer que não existirá um quadro penal em que um juiz decide um período de tempo x para quem fez determinado disparate durante a vida no corpo físico, e de y se o disparate foi outro.

No entanto existe um número considerável de espíritas a julgar que a maioria de nós irá passar por experiências semelhantes após desencarnar, chegando a apontar supostos erros de terceiros como sendo o bilhete de embarque directo para o sofrimento post mortem.

E é essa ideia de um inferno espírita que me levou a escrever este texto.

Vamos começar esta análise pelo facto de os livros de André Luiz (não obstante serem de qualidade) fornecerem a visão / opinião / experiência de um espírito, assim, não deverão ser entendidos como ensinamentos espíritas comparáveis aos ensinamentos dos espíritos superiores contidos na obra de Allan Kardec.

Isto é importante!

Quem se proponha a adquirir conhecimentos sobre espiritismo, deverá ler no mínimo:

O Livro dos Espíritos;

O Livro dos Médiuns;

O Evangelho Segundo o Espiritismo;

O Céu e o Inferno;

A Génese.

Após cimentar conhecimentos com os livros acima, correrá menos riscos de interpretar erradamente o que lê noutros livros, pois estará dotado com os alicerces necessários.

Nas questões 163 e 164 de O Livro dos Espíritos, encontramos passagem sobre o período de perturbação espiritual que se segue à morte do corpo físico:

"163. Deixando o corpo, a alma tem imediata consciência de si mesma?

Consciência imediata não é o termo, fica perturbada por algum tempo.


164. Todos os Espíritos ficam perturbados, no mesmo grau e pelo mesmo tempo, a seguir à separação da alma e do corpo?

Isso depende da sua elevação. Os mais evoluídos reconhecem-se quase imediatamente, porque se desprendem da matéria durante a vida corporal. O homem carnal, cuja consciência não é pura, conserva por muito mais tempo a impressão da matéria."


Possivelmente algumas pessoas podem deduzir que esse período de perturbação é o que André Luiz chamou de Umbral (e até pode ser), mas vamos consultar o livro O Céu e o Inferno:

Na segunda parte desta obra temos a oportunidade de ler a experiência que diversos espíritos estão a passar no mundo espiritual.

Se é certo que alguns depoimentos são de sofrimento, existem muitos outros de vivências mais ou menos (nem de felicidade, nem de sofrimento) e ainda outros felizes, ou mesmo muito felizes, todas essas experiências directamente ligadas ao mérito conquistado na experiência na vida no corpo de carne.

E existem também diversos estudos fora do espiritismo, por exemplo: relativamente às investigações de Experiências de Quase-Morte, já repararam que a percentagem de pessoas com uma EQM infeliz e aflitiva é bastante menor às pessoas com EQMs felizes? Tão felizes e tranquilizadoras que muitas vezes as faz perder o medo da morte?

É certo que num centro espírita quem participa em reuniões mediúnicas tem um contacto mais próximo com espíritos em sofrimento, mas estes são encaminhados para ali sem o saberem, exactamente por não estarem em condições de percepcionar quem os pode ajudar no mundo espiritual, sendo mais fácil falar com quem está ainda no mundo material.

Perdoem-me a comparação mas é na tentativa de me fazer entender melhor: imaginem quem trabalha num centro de atendimento ao cliente de uma empresa de telecomunicações, esse profissional passa os turnos de trabalho a atender chamadas de pessoas insatisfeitas por não terem Internet, ou por estarem com alguma dificuldade técnica, de facturação, etc., ninguém liga para a linha de apoio a cliente só para dizer que está tudo bem.

Por cada cliente insatisfeito a ligar existem muitos outros sem dificuldades no serviço, mas um assistente de Call Center poderia ficar com a ideia errada de a empresa que representa ser muito má, pois só atende clientes com problemas.

Felizmente existem livros de André Luiz a levantar o véu de sobre outras realidades após a morte, temos por exemplo o livro E a vida continua... o 13º livro da colecção a que pertence o livro Nosso Lar abordado no início deste texto, onde temos a oportunidade de acompanhar o desencarne de duas pessoas ainda longe da santidade e mesmo assim vivem um despertar no mundo espiritual bem distinto do Umbral.

Então, não queiramos incluir no espiritismo algo semelhante ao conceito de inferno presente ao longo dos séculos em várias correntes espiritualistas, não façamos juízos sobre as atitudes de quem nos rodeia (de certeza que estão a fazer o melhor que sabem e podem no contexto onde estão inseridos) e sobretudo, não arranjemos penas que nada mais são do que demonstração de ignorância ou imposição de poder através do medo.

Em lugar de sentenças como: "fizeste x estás tramado e de certeza que vais parar ao Umbral", ajudemos as pessoas a ultrapassar a culpa, a aprenderem o benefício do perdão, a dotarem-se de conhecimento espiritual útil, etc.

Exercitemos o nosso raciocínio lógico e não deixemos de ler, reler e consultar a obra básica sempre que existirem dúvidas.

O estado de felicidade ou infelicidade na realidade estão dentro de nós não tanto em lugares especificos, como está bem documentado nas perguntas 1012 e 1013 de O Livro dos Espíritos:

"1012 − Há algum lugar circunscrito no Universo destinado às penas e recompensas dos Espíritos, segundo os seus méritos?

Já respondemos a esta pergunta. As penas e as recompensas são inerentes ao grau de perfeição a que chegaram os Espíritos. Cada um encontra em si mesmo o princípio da sua própria felicidade ou infelicidade. Como os Espíritos estão por toda a parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado se destina mais a uns do que a outros. Quanto aos Espíritos encarnados, são mais ou menos felizes ou infelizes, segundo o grau de evolução do mundo em que habitam.

1012-a. De acordo com isso, o inferno e o paraíso não existem como são representados?

São apenas imagens simbólicas. Espíritos felizes e infelizes há-os por toda a parte. Entretanto, como já o dissemos também, os Espíritos da mesma ordem reúnem-se por simpatia. Quanto aos Espíritos perfeitos, podem reunir-se onde quiserem.
− A localização concreta do lugar das penas e das recompensas só existe imaginariamente. Provém da tendência de materializar e circunscrever as coisas cuja essência  infinita não se pode compreender."

Não transformemos o Umbral no inferno dos espíritas, nem tão pouco num local de passagem obrigatória, sim?

André Luiz
06 agosto
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